quarta-feira, 2 de março de 2011

As Melhores Ferrari

As melhores Ferrari

Ferrari essencial: Uma seleção do que há de melhor para se dirigir na marca que é sinônimo de prazer e refinamento mecânico sobre quatro rodas.

Por Gavin Green, da Car | Fotos: Barry Hayden e Stuart Collins


            Estes carros foram reunidos num belo dia de primavera, para homenagear os 60 anos da Ferrari, o maior fabricante de esportivos do mundo. Estes seis modelos são os mais perfeitos carros da sua espécie. Excetuando dois deles, todos são vermelho-sangue, a cor que faz parte do DNA da Ferrari, assim como o maravilhoso som dos motores e o desempenho fenomenal. Que espetáculo! Aqui estão reunidos os melhores entre os melhores, os seis mais belos espécimes produzidos nesses 60 anos de história da Ferrari.

           O fundador Enzo Ferrari fez sucesso nos anos 30 como diretor da equipe de competição da Alfa Romeo. Começou a produzir seus próprios modelos após a Segunda Guerra. Ao longo da vida, Enzo vendeu carros para custear corridas. Sua aversão por clientes era tão lendária quanto sua afeição pelos pilotos. Ele era autoritário, arrogante e autocrático - não era fácil trabalhar com ele.

           Isso se tornou mais que evidente em 1961, quando a equipe principal de engenharia e de vendas demitiu-se, cansada de sua intransigência. Nessa época, Ferrari estava projetando a 250 GTO (Gran Turismo Omologato), um dos maiores carros de corrida dos anos 60. E é também o mais bonito. Sua carroceria não foi desenhada para ganhar prêmios de design, mas sim para ter boa aerodinâmica. A GTO também faz parte da história por ser o último modelo de corrida fabricado com o motor dianteiro e por ser "ilegal". O regulamento das provas de GT estipulava a fabricação de 100 unidades, mas no caso da GTO foram feitas apenas 39.

           Essa história não importa agora, mas, se você tiver a chance de dirigir apenas uma Ferrari, escolha a 250 GTO. A primeira vez que dirigi uma foi em meados dos anos 80, quando cheguei a 225 km/h em estradas desertas. Foi uma experiência inesquecível.

           Sente-se atrás do volante grande, com seus raios de metal e borda de madeira. O pára-brisa vertical fica perto do rosto. O painel é negro e cheio de mostradores Veglia com aros cromados. À frente fica o longo e curvilíneo capô. No centro vemos uma grande saliência, cobrindo as cornetas de admissão do V12 de 3 litros e 300 cv. Não há filtros de ar para abafar a música do motor. À direita, ergue-se a maior alavanca de câmbio do mundo, saindo de uma grelha de metal. O acabamento da cabine é simples, mas a GTO é, em sua essência, um carro de corrida. Qualquer luxo extra a deixaria mais pesada.

          Que som maravilhoso! O motor rosna, produzindo um ruído estridente como o de um animal selvagem cutucado com uma vara. O motor tem uma incrível impetuosidade. Ela arranca com facilidade surpreendente a partir de 2 000 rpm. Mas para a GTO levantar suas "patas" você tem de fazer a fera rugir acima de 4000 rpm, obrigar o motor girar com fúria. A troca de marchas é firme e longa. É necessário precisão e um pouco de paciência, mas é surpreendentemente fácil. Manejar o volante em baixa velocidade é pesado, pois a direção não é hidráulica. A dirigibilidade é uma das grandes qualidades da GTO. Apesar da simplicidade do chassi e da suspensão, a máquina responde maravilhosamente bem.

          Seguindo a ordem cronológica vem a 275 GTB, lançada em 1964. Ela compartilhava a mesma base da GTO - V12 dianteiro de rotações suaves, chassi tubular e câmbio de cinco marchas. Como novidade, havia mais uma transmissão traseira, que aprimorava a distribuição de peso em 50/50, e, mais importante, suspensão totalmente independente. Em comparação às anteriores GTO e 250 GT, a diferença era clara. Sua predecessoras eram mais difíceis de controlar. A partir de então, ficaram mais estáveis.

          A 275 GTB/4 era uma variação ainda mais veloz. Foi a primeira Ferrari de série com motor DOHC, que tinha 3,3 litros e 300 cv - o mesmo V12 da GTO, que era feita mais para corridas. O resultado é um esportivo excelente para percursos longos. O motor cresce a partir de 1000 rpm, mas, como um cavalo de corrida querendo galopar, esse V12 gosta mesmo quando se exige dele o máximo. Quando o ponteiro do conta-giros sobe para 7600 rpm, o som muda. Ouve-se um urro furioso, o nariz estilo tubarão se levanta, os quadris curvilíneos baixam e pode-se chegar a sua velocidade máxima, de mais de 260 km/h.

         A estabilidade lateral, claro, está longe dos padrões modernos, mas é suficiente. O mais impressionante é a dirigibilidade. Seu comportamento nas curvas é neutro, do tipo que pode ser controlado apenas com o acelerador, graças a seu excelente equilíbrio, pequeno porte e leveza.

         De todas as Ferrari reunidas, minha favorita para a estrada é a 275 GTB/4. É uma beleza vê-la deslizar pela pista e ouvir a música que sai do motor V12. Seu estilo e refinamento me encantam. Eu diria que esse carro é a mais pura evocação da mágica da Ferrari. Foi o último modelo de rua que a Ferrari produziu como fabricante independente. Seu esportivo seguinte, a Daytona, foi lançado depois da compra da Ferrari pela Fiat. A partir de então, a companhia se guiou pela racionalidade comercial com a mesma intensidade com que tinha vivido a emoção automotiva. A GTB/4 foi a última de uma espécie. A Daytona era mais pesada, maior e mais rápida, porém mais brutal.

         Meu carro favorito daqueles anos, a Dino, não é exatamente uma Ferrari - o logotipo da Ferrari não aparece nem na carroceria nem na cabine. A Dino é mais fácil de dirigir, mais macia. Se a compararmos a um animal, ela seria muito mais um pônei desenfreado que um cavalo selvagem.

         A Dino 246 GT era uma Ferrari para as massas - apesar de que essas coisas são relativas. Era mais barata e foi produzida em maior número, mas também tinha um ronco melodioso, andava rápido e sua dirigibilidade era maravilhosa. O nome Dino foi uma homenagem ao único filho legítimo do comendador. Para reduzir custos, muitos dos componentes vinham da Fiat, o que não atrapalhava nem um pouco o prazer de dirigi-la. Ela não dá a sensação de ser um carro veloz hoje em dia - como poderia, tendo 195 cv? Porém o que impressiona é a maciez do seu V6, cantando sonoramente às suas costas, e a agilidade.

        Comparada à Dino, guiar uma Daytona mais parecia dirigir um caminhão. Mais que qualquer outra Ferrari, você veste uma Dino. Ela foi um momento de virada para a Ferrari, o primeiro modelo de rua da marca com motor central. Também deu origem não apenas à 308 e à Boxer, lançadas logo em seguida, como também à 355, à F40 e até mesmo à Enzo. Mas nenhuma delas se mostraria tão suave.

         Será que as Ferrari dos anos 70 foram tão ruins que deveríamos pular direto para os anos 80? Bem, a Boxer era incrível, a Testarossa nem tanto, mas nenhuma tinha a mesma classe de umas das maiores Ferrari dos anos 80: a 288 GTO.

         Esse modelo foi supostamente concebido para corridas (daí o sufixo Omologato), embora pouco tenha participado de competições. A 288 GTO tem seu lugar junto às grandes Ferrari pelo estilo majestoso, o desempenho refinado, a velocidade e a maciez ao pilotá-la. Muitos colecionadores consideram a 288 GTO como a melhor Ferrari de todas. Neste panteão, eu a colocaria em segundo lugar, atrás da 275 GTB/4. Foi numa 288 GTO que fiz uma viagem incrível, em 1985. Saímos de Maranello rumo à Inglaterra. Quando fecho os olhos, ainda posso sentir a força do V8 biturbo com seus 400 cv em ação, bem como lembrar-me de seu pequeno volante Momo em minhas mãos enquanto cruzávamos os Alpes.

        Como é bom rever uma 288 GTO. Que estilo! A F40 e a Enzo parecem tanques sobre rodas, enquanto a GTO é elegante e poética. Uma pena que seu interior seja tão simples. Os instrumentos laranja sobre preto, os botões Fiat e o feltro preto cobrindo o painel não parecem pertencer a uma Ferrari.

        A F40, que agora completa 20 anos, foi lançada em seguida. Era um esportivo barulhento, bruto e agressivo. Ela foi também o último modelo concebido sob a supervisão de Enzo Ferrari, que morreu em 1988. A potência veio da versão aprimorada do V8 biturbo da 288 GTO. O conforto não era prioridade. Não havia nem mesmo uma maçaneta interna. Em vez disso, tinha um cordão para abrir a porta, como na 250 GTO. Nada de direção hidráulica ou carpetes. As janelas, pelo menos nos primeiros modelos, eram deslizantes e de plástico. Era um puro carro de corrida para andar nas estradas.

        Apesar de suas imperfeições, a F40 é provavelmente a mais incrível Ferrari de rua. O assento é muito baixo, a apenas alguns centímetros do asfalto. O V8 soa mais agressivo que na 288 GTO. É uma máquina mais potente, cheia de hiperatividade sonora. Pode-se ouvir o motor rosnando a pouca distância e também vê-lo claramente sob a cobertura plástica. Uma obra-prima da engenharia que pode ser contemplada em toda a sua glória.

        A F40 escreveu um novo capítulo no livro dos supercarros. Foi o primeiro modelo de produção a romper a barreira dos 320 km/h. O motor acorda mesmo aos 4000 rpm e depois explode impetuosamente até o limite de 7750 rpm. Incrível, não? É, mas a F40 pode ser usada no mundo real? Não muito. Tendo espaço para liberar seu desempenho, não há esportivo mais veloz, mas, em estradas irregulares e com curvas, qualquer hatch esportivo pode segui-la de perto.

        A F40 foi finalmente substituída pela F50, um carro inferior, exceto por seu V12 originário da Fórmula 1. Por sua vez, a F50 foi sucedida pela Enzo, a mais veloz e tecnicamente mais avançada Ferrari de todos os tempos. A Enzo é a adaptação mais fiel já feita de um F-1 para as ruas. É recheada de tecnologia, tal como seu chassi de fibra de carbono, motor V12 de 650 cv derivado da F-1, câmbio eletrônico de seis marchas, freios de carbono e cerâmica e até mesmo um controle de largada como nas corridas.

        A sensação que se tem ao dirigi-la é indescritível. É incrivelmente veloz, mas sem o esforço exigido pela F40. Tem direção hidráulica e câmbio seqüencial com borboletas no volante, que permitem trocas de marchas em apenas 150 milissegundos. Dificilmente alguém poderia entrar numa 250 GTO ou F40 e sair pilotando velozmente. Por outro lado, a Enzo é mais fácil de dirigir que um Fiesta manual. Não dá para negar que ela é visceralmente mais rápida. Arranca tão forte que podemos sentir os órgãos se rearranjando para acompanhar a velocidade. Porém mais tecnologia significa que os motoristas são menos exigidos.

         Acho que a facilidade com que a Enzo pode ser conduzida a 250 km/h é uma razão para o grande número de acidentes em que se envolve. Coloque um novato na cabine e ofereça-lhe um circuito vazio. É tão fácil que ele desligaria o controle da tração depois de meia dúzia de voltas. Após mais algumas voltas, o motorista teria que ser resgatado da pista, depois de sofrer um acidente. Ela bem que poderia ser mais bonita. A maioria das Ferrari são belas como pássaros, mas a Enzo parece um inseto feio. O formato da carroceria favorece mais a aerodinâmica que a estética. Os freios de cerâmica-carbono precisam de muita refrigeração e o V12 de 6 litros demanda enormes quantidades de oxigênio para funcionar bem e levá-la a 100 km/h em 3,7 segundos ou à máxima de 350 km/h.

Claro que o resultado é espetacular e chama atenção, mas naquele glorioso dia de primavera, com a abundância de belas máquinas, só um automóvel destoava: justamente o mais recente. Se os prérequisitos para grandes Ferrari são tinta vermelha e desempenho impressionante, devo acrescentar mais um: todas as grandes Ferrari devem ser lindas.

Fonte: Revista Quatro Rodas - Julho/2007


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