sábado, 25 de junho de 2011

In Memoriam: Juan Manuel Fangio (1995)


     No dia 24 de junho de 1911 nascia na cidade de Balcarce, na Argentina, um dos maiores pilotos da história da F1: Juan Manuel Fangio.

     Em sete temporadas completas na categoria, entre 1950 e 1958 (ficou de fora em 1952 devido a um grave acidente em Monza, na Itália), ele ganhou cinco títulos mundiais, recorde que só seria batido por Michael Schumacher, 47 anos depois. São 24 vitórias em 51 GPs, em que ele largou na primeira fila 48 vezes e conquistou 29 pole positions.

        Até hoje, “O Maestro”, como ficou conhecido no automobilismo, é o único piloto da história a conquistar títulos por quatro equipes diferentes: Alfa Romeo, Ferrari, Mercedes-Benz e Maserati.

     Fangio tinha um estilo calculista, de pilotagem limpa, e tentava ser o menos agressivo possível. Destacava-se por sua boa leitura das provas e constância, em uma época em que problemas mecânicos nos carros eram muito comuns.

     Filho de imigrantes italianos, Fangio começou a trabalhar como mecânico logo aos 11 anos de idade. Iniciou a carreira no automobilismo em 1929, aos 18, em provas de longa distância na América do Sul, que aconteciam entre cidades do continente. Fangio começou a participar em corridas locais, como ajudante de Manuel Ayeza, num Ford A modificado. Nessa altura, as Carreteras eram corridas entre cidades, em vez de serem em circuitos fechados. Eram corridas longas e duras, em estradas muitas vezes de terra batida, pois eram raros os quilômetros de asfalto na Argentina. Continuou a correr em 1930 e 31, antes de interromper a carreira de mecânico para cumprir o serviço militar. Quando regressou da tropa, Fangio montou o seu negócio em companhia de José Duffard, ao mesmo tempo que corria e jogava futebol nos clubes locais, com Leandro Alem e Bartolomé Mitre. Foi aí que ganhou a alcunha de “El Chueco” devido às suas pernas arqueadas, e o seu talento foi o suficiente para chamar à atenção de clubes de Mar del Plata.


     Mas apesar disto tudo e da sua participação em corridas, não era piloto, apenas mecânico. A sua primeira oportunidade nesse aspecto aconteceu em 1936, quando concorreu numa prova de Turismo Carrera, a bordo de um Ford A modificado por ele mesmo. Apesar do negócio sempre crescente, Fangio não estava completo: “O automobilismo me apaixonara, e com todo o espírito de aventura que me leva. E, pensei que se ganhasse uma corrida, seria boa promoção para a nossa oficina”, contou anos depois.

     O Ford A modificado, um táxi emprestado pelo pai de “Pinchon” Viangulli, um dos seus amigos da oficina, tinha pneus dados pelo comissário municipal, Óscar Rezusta, e com os macacos para trocar os pneus providenciados por outro taxista de Balcarce, participou numa corrida em 24 de outubro daquele ano, em Benito Juarez. O carro modificado fez uma boa corrida até à 23ª volta, altura em que uma biela do motor se fundiu. Fangio, que corria sob pseudónimo de “Rivadalvia”, estava na terceira posição.

     Apesar do aparente mau resultado da corrida, o seu desempenho fez com que participasse em mais corridas ao longo de dois anos, obtendo bons resultados e ganhando prestigio a nível local, e a sua cidade começou a apoiá-lo, fazendo "vaquinhas" para tornar possível a compra de carros melhores, pois as suas vitórias levavam o nome da Argentina, e mais tarde, da América do Sul.


     Em 1938, participa da sua primeira corrida oficial, em Necochea. Qualficou-se em quinto e acabou na sétima posição final, depois de ter sido terceiro na primeira parte. Um resultado encorajador, mas ainda faltava muito para chegar às vitórias. E a mais importante, a que projetou o seu nome a nível internacional, aconteceu em 1940. Nesse ano havia o Grande Prêmio Internacional do Norte, uma prova de nove mil quilômetros entre Buenos Aires e Lima, a capital do Peru… e volta. Fangio corria num Chevrolet 39 Coupé, comprado graças a uma "vaquinha" entre os habitantes da cidade. Depois de dias em que a resistência do piloto era levado ao limite, Fangio levou a melhor sobre a concorrência, e aos 29 anos, a sua fama crescia.

     Começou a correr em pistas de circuito de asfalto, quer na Argentina quer no estrangeiro (ganhou no Brasil o Circuito Presidente Vargas em 1941, batendo Oscar Galvez) mas em 1942, a sua carreira é interrompida quando o governo da época decide racionar a gasolina devido aos eventos da II Guerra Mundial. As corridas são banidas, apesar da Argentina ser um país neutro, e Fangio volta à sua oficina, mas com uma diferença: compra camiões usados e vende pneus, cuja importação tinha sido banida. Assim fez ao longo de três anos, até ao final da guerra. Quando acabou, Fangio vendeu os camiões, que tinham uma enorme procura, pois precisavam deles para transportar as safras de grãos e carne para uma Europa devastada pelo conflito. Fangio prosperou e guardou o dinheiro para comprar carros novos.

     E com o final a II Guerra, as restrições à venda de gasolina foram levantadas e as corridas de automobilismo voltavam a acontecer no país. Em 1947, Fangio pegou num Ford T modificado e foi correr em provas de Turismo Carrera, ganhando no circuito de Retiro, em Buenos Aires, e alguns meses depois, fez o mesmo em Rosário. No ano seguinte, ganhou em Pringles e Entre Rios, antes de ir correr no Uruguai e Estados Unidos, graças ao apoio do Automóvel Club da Argentina (ACA). No Verão, vai para a Europa, onde as suas prestações são mais do que suficientes para receber o convite de Amedeé Gordini para guiar um dos seus carros. Fangio aceitou e fez a sua estreia europeia em Reims. As suas prestações eram mais do que suficientes para que fosse convidado para fazer nova temporada na Europa, no ano seguinte.


     Mas a carreira na Europa esteve para não acontecer. Em outubro desse ano, no Peru, Fangio participa de uma prova de estrada, o Gran Premio de la América del Sur. Na zona de Huanchasco, tem um acidente com um Chevrolet e o seu navegador, Daniel Urrutia, morre. Devastado, Fangio pondera abandonar a competição por uns tempos, mas acaba por voltar, deixando de vez esse tipo de corridas e concentrando-se nas provas de circuito.

      No inicio de 1949, pega um motor de caminhão Chevrolet e foi correr no circuito de Palermo, em Buenos Aires, contra todas algumas estrelas internacionais, e bate-os, mas não vence a corrida, esta ganha por Oscar Galvez. Em Mar del Plata, em março, é o vencedor, e depois viaja para a Europa para demonstrar a sua classe perante os melhores. Com a prosperidade pós-guerra e o apoio do Automóvel Clube Argentino (ACA) e do governo argentino, de Juan Peron, adepto do automobilismo, leva uma embaixada para Itália onde corre e consegue alguns bons resultados. As corridas de San Remo, Pau, Perpignan, Albi, Marselha e Monza foram ganhas por ele. No regresso, é recebido por Juan Peron na Casa Rosada e é honrado pelo Automovil Club de Mendonza, por mérito.



     Em 1950, começa a correr num Maserati em Pau, e depois a Alfa Romeo o convida para correr em San Remo, onde vence. Isto é mais do que suficiente para que a equipe o contratasse para a sua equipe oficial para o Mundial de Formula 1, cujo começo iria acontecer em maio, no circuito de Silverstone. Aí, termina em segundo, atrás de Nino Farina, mas sua primeira vitória aconteceria na prova a seguir, em Mônaco. Venceria mais duas corridas oficiais nesse ano, em Spa-Francochamps e em Reims, além de vitórias extra-campeonato em Angoulême - ao volante de um Maserati - em Genebra e Pescara. Quando chega a Monza, para a última prova do ano, tinha condições para vencer o campeonato, mas acabou por desistir e ver o seu companheiro de equipa e rival, Nino Farina, ser o primeiro campeão do mundo oficial de Formula 1.

     No final do ano, regressa à Argentina e ganha mais três provas, uma delas no Chile. Em 1951, volta à Europa para mais uma temporada ao serviço da Alfa Romeo. Começa a vencer na primeira prova do ano, na Suiça, e depois volta a vencer em Reims, em 1 de julho, em uma condução partilhada com o seu companheiro Luigi Fagioli. Alinhou com Louis Rosier nas 24 Horas de Le Mans num Talbot-Lago, mas desistiu após 92 voltas. De volta à Formula 1, acabou as duas provas seguintes na segunda posição, batido pelos Ferrari do seu compatriota Froilan Gonzalez, em Silverstone, e de Alberto Ascari, em Nurburgring, e desistiu em Monza, mas continuou com chances de vencer quando o campeonato chegou ao circuito de Pedralbes, em Barcelona, para a prova final do ano.


     Ali, Alfa Romeo e Ferrari alinham com quatro carros cada uma, e Fangio tinha sido superado nos treinos por Ascari. Contudo, quando se preparava para a corrida, Fangio optou por jantes de 16 polegadas em vez das jantes de 18 polegadas que os Ferrari decidiram usar para a corrida. Aliado ao seu estilo de poupar os pneus, Fangio apenas esperou que a concorrência esfarelasse os pneus. E assim foi: antes na décima volta, todos os seus adversários tinham ido às boxes para trocar de pneus, enquanto que Fangio abria uma vantagem incrivel. No final, venceu a corrida e o campeonato, enquanto que o seu rival Ascari era apenas quarto, a duas voltas do argentino. Aos 40 anos, Fangio conseguia o seu primeiro titulo mundial.

     Mas pouco tempo depois, a Alfa Romeo decidiu abandonar a competição e para 1952, Fangio decidiu ficar de fora da competição durante meio ano, até usar carros da BRM em corridas pequenas, como Albi e Dundrod, na Irlanda do Norte. Nessa altura, combinou com a Maserati correr para eles em Monza. Contudo, Fangio atrasou-se e quando chegou a Paris, o vôo de ligação com a Itália já tinha partido. Sem perder tempo, foi de carro da capital francesa até Milão... 

      Conseguiu chegar a Monza meia hora antes da corrida, mas estava fatigado devido á viagem. Partindo do final da grelha, a corrida foi breve: no final da segunda volta, perdeu o controle do seu carro, capotou e foi ejetado, quebrando vários ossos, sendo a fratura mais grave, no pescoço.




     Salvando-se da morte, decidiu recuperar-se o resto do ano na Argentina, onde por esta altura, já tinha uma concessionária da Mercedes em Balcarce.


     Recuperado, volta à ativa no inicio de 1953, onde conduz pela Maserati, contra os Ferrari que dominavam tudo através de Alberto Ascari. Começa o ano na Formula 1 com três desistências, mas depois conseguiu três pódios consecutivos, na França - onde perdeu depois de um duelo apaixonante com o Ferrari de Mike Hawthorn - Grã-Bretanha e Alemanha, antes de ser quarto na Suiça e de vencer no GP da Itália, a última prova do ano. Estes resultados foram mais do que suficiente para ser vice-campeão do mundo, com 28 pontos, muito distante de Ascari, campeão do mundo com 34,5 pontos.

     Nos sportscars, Fangio correu pela Lancia na Carrera Panamericana, onde acabou por vencer. Participou pela primeira vez na Targa Florio, onde terminou na terceira posição. Nas 24 Horas de Le Mans, ao lado do seu compatriota Onofre Marimon e a bordo de um Alfa Romeo 6C/3000M, apenas deu 22 voltas antes de desistir.


     Fangio começa a temporada de 1954 correndo pela Maserati nas duas primeiras corridas do ano, na Argentina e na Suiça, mas já sabia-se que estava contratado pela Mercedes, que iria regressar à Formula 1 no GP da França daquele ano, em Reims. Fangio, em conjunto com o alemão Karl Kling, dominou a corrida. Ambos acabaram nas duas primeiras posições, separados por 0,1 segundos. Parecia que os Mercedes chegariam para vencer, mas perderam na corrida seguinte, batidos pelo Ferrari de Froilan Gonzalez. Fangio acabou a corrida na quarta posição.

     Na Alemanha, apesar de abalado pela morte do seu compatriota e amigo Onofre Marimon nos treinos, venceu a corrida no dia seguinte, acabando por fazer o mesmo na Suiça e em Monza, alcançando aí o seu segundo título mundial. Na última corrida do ano, no circuito espanhol de Pedralbes, em pleno centro de Barcelona, Fangio foi terceiro, batido pelo Ferrari de Mike Hawthorn e pelo Maserati de Luigi Musso.



     Juan Manuel Fangio começa a temporada de 1955 na Argentina, num janeiro tremendamente quente. Sob mais de 40 graus de temperatura, Fangio não só ganha a corrida à vontade como também é um dos dois pilotos que faz a corrida toda sem ser substituido por alguém, como fizeram o resto do pelotão, com a exceção de Roberto Mieres. Quando lhe perguntaram a razão porque não parara ou porque não se sentia cansado de correr todo aquele tempo debaixo de grande calor, afirmou que era tudo uma questão mental: "Imaginei que o meu cockpit estava cheio de gelo", afirmou.

     Após a corrida argentina, a Formula 1 teve mais de de quatro meses até ao GP de Mônaco, mas ali, os Mercedes falharam redondamente, e Fangio ainda viu um dos seus adversários, Alberto Ascari, cair no mar, embora sem ferimentos de maior gravidade. Contudo, três dias mais tarde, em Monza, Ascari morria durante um teste. Mas o pior aconteceu algumas semanas depois, em Le Mans. Fangio fazia parte da equipa oficial da Mercedes-Benz, e iria correr ao lado do jovem e talentoso piloto britânico Stirling Moss, que apesar da rivalidade, respeitavam-se mutuamente.

     Um dos integrantes dessa equipe era o veterano francês Pierre Levegh, que fazia dupla com o americano John Fitch, e estava no segundo posto, perseguindo o carro da frente, o Jaguar de Mike Hawthorn, que venceria a corrida. Perto das seis e meia da tarde, Levegh estava atrás do líder, quando o britânico manobrou bruscamente à direita para entrar nas boxes. Para evitar chocar com ele e com o Aston Martin de Lance Macklin, virou bruscamente para a esquerda, em direção ao meio da pista. Levegh não teve tempo de parar a foi catapultado para as bancadas, desfazendo o seu carro numa bola de fogo e matando 84 pessoas, incluindo o próprio Levegh. Fangio, que estava atrás de toda esta gente, assistiu a tudo e escapou por um triz.

     A Mercedes reuniu-se de emergência em Estugarda e após algum tempo, decidiu abandonar a competição, comunicando isso a um destroçado Alfred Neubauer. Quanto a Fangio, nunca mais iria correr em Le Mans e o acidente iria causar uma grande discussão em torno da segurança nas pistas, que começavam a ser inadequada para os carros em questão.


     Fangio continuou correndo pelo campeonato de F1, e com as provas canceladas, bastavam dois bons resultados para ser campeão do mundo pela terceira vez. Venceu na Holanda, com Stirling Moss em segundo, e na Grã-Bretanha, que nesse ano, teve prova disputada na pista de Aintree, Fangio andou atrás de Moss até ficar colado atrás dele, mas não o passou até á bandeira quadriculada, quando Moss foi o vencedor. Durante muito tempo se pensou que Fangio deixou Moss ganhar, mas até morrer o argentino sempre disse que "nesse dia, Moss foi simplesmente o melhor".

     Fangio venceu depois em Monza, local onde se anunciou que a Mercedes iria retirar-se da competição. Para Fangio, isto teria sido a sua melhor oportunidade para abandonar a competição e regressar à sua terra natal, mas as coisas por lá andavam agitadas. Um golpe de estado contra Juan Peron tinha-o derrubado e a nova administração tinha congelado os seus bens e os seus negócios. Logo, tinha de adiar a sua retirada por mais algum tempo.


     Sem a Mercedes por perto, e com Stirling Moss na Maserati, decidiu correr pela Lancia-Ferrari, apesar de não ser fã de Enzo Ferrari e dos seus métodos de trabalho. Mas tinha a melhor máquina do pelotão, o modelo D50, e Ferrari precisava de um substituto à altura para Alberto Ascari, que tinha morrido no ano anterior. Assim começou por ganhar na prova de abertura, na Argentina, foi segundo no GP de Mônaco, desistiu na Belgica, foi quarto na França, e venceu na Grã-Bretanha e Alemanha, para chegar na última prova do ano com oito pontos de diferença sobre Peter Collins, o segundo classificado.

     A corrida de encerramento do campeonato era em Monza, e o título seria disputado entre ele, Collins e Stirling Moss, no seu Maserati. A corrida decorreu normalmente até que Fangio desistiu no meio da corrida com a coluna de direção quebrada. A Ferrari ordenou a Luigi Musso para que parasse e cedesse o seu carro a Fangio, mas este recusou. Fangio iria ver o seu companheiro de equipe e rival Peter Collins vencer o campeonato quando, espantosamente, a quinze voltas do fim, o britãnico cedeu o carro para o argentino. Foi uma decisão espantosa, e mais tarde afirmou que tinha feito isso "porque achava que era demasiado novo para ser campeão. Iria ter tempo para o conseguir". Ambos partilharam o segundo lugar e Fangio conseguia o seu quarto título, o terceiro consecutivo.


     Mas ele decidiu que não iria ficar na Ferrari e rumou para a sua maior rival na temporada de 1957. Eles tinham agora um bom carro, o modelo 250F, desenvolvido desde 1955. Fangio tinha os Ferrari como rivais, mas também via surgir outra rival, a equipe Vanwall, que conseguiu superar a BRM como melhor equipe britânica.

     Fangio começou ganhando as duas primeiras provas do ano, na Argentina e em Mônaco. A vitória em Buenos Aires era a quarta consecutiva no seu pais, o tornando recordista de vitórias no seu pais. Venceu de novo na França, no circuito de Rouen-Les Essarts, e com essas três vitórias consecutivas, parecia estar a caminho de nova vitória no campeonato do mundo. Contudo, Fangio desiste em Silverstone, palco do GP britânico, mas tinha de marcar pontos na prova seguinte, o GP da Alemanha.



      Quando Fangio chegou a Nurburgring, palco do GP da Alemanha, sabia que tinha de ser, no minimo, o segundo calssificado para se sagrar campeão do mundo a duas provas do fim, pois essas corridas iriam acontecer em solo italiano - Pescara e Monza - e poderiam ser favoráveis às cores da Ferrari. O argentino conseguiu a pole position, com os Ferrari de Mike Hawthorn e Peter Collins logo atrás, com combustível suficiente para fazerem uma corrida inteira. Fangio, por sua vez, tinha de parar o seu carro na volta 12 e reabastecer,  para que no começo da corrida conseguisse ser mais rápido do que os Ferrari. Foram esses os seus cálculos e levou o carro até aí.

     Na largada, foi superado pelos Ferrari, mas no final da terceira volta já tinha voltado a liderança, aumentando a mesma até os 30 segundos quando parou para reabastecer na volta onze. Contudo, aconteceu o desastre: uma das porcas perde-se no boxe e os mecânicos demoram muito tempo procurando a mesma. Aquilo que poderia ter demorado 25 ou 30 segundos, acabou demorando mais de um minuto e, quando saiu dali, a desvantagem para Hawthorn era de 45 segundos e tinha caído para o terceiro lugar.




     E ali começou uma recuperação espectacular. Nas voltas seguintes, Fangio imprime um ritmo muito maior, "comendo" segundos dos Ferrari e batendo constantemente o recorde da volta. Se antes da corrida estava nos 9.41 segundos, feitos por ele no ano anterior no seu Lancia-Ferrari, antes da parada fatídica, tinha sido baixado para 9.295 segundos. E a partir dai, começou a baixar: 9.235; 9.171... e a diferença a diminuiu para 13 segundos a quatro voltas do fim, com todos espantados com a performance de Fangio no circuito.

     E no inicio da última volta, Fangio estava a apenas dois segundos de Collins, o segundo classificado. Passa-o na "Sudkurwe", mas Collins reage, voltando a ultrapassá-lo. Mas o argentino devolve a ultrapassagem na "Nordkurwe" e vai no encalço de Hawthorn, apanha-o na zona de "Adnauerforst", e consegue a ultrapassagem na "Breidscheid". Demorara menos de meio circuito para chegar ao primeiro lugar, mas a multidão estava em delírio por tal demonstração de pilotagem.



     Quando cruzou a linha de chegada, até os seus adversários estavam eufóricos por tal demonstração. A sua performance era comparável a de Tazio Nuvolari, conseguido 22 anos antes. Alcançava a sua 24ª vitória em Grandes Prêmios, tinha 46 anos e tinha conhecido os seus limites. Batera o recorde do circuito por dez vezes e depois disse: "Fiz coisas que nunca tinha feito, e se calhar não vou mais conseguir pilotar dessa maneira." Após este triunfo, era campeão do mundo pela quinta vez na sua carreira, um recorde.

     Até ao fim da temporada ainda consegue mais 2 segundos lugares, nos circuitos italianos de Pescara e Monza. Torna-se campeão com 40 pontos e começa a considerar, por fim, a aposentadoria. Decide fazê-lo em 1958, enquanto estava no auge, pois não queria ser como Tazio Nuvolari, que competiu até morrer, com mais de sesenta anos.

   No inicio de 1958 corre na Argentina, a corrida inicial do campeonato, onde faz a "pole position" mas no grid de largada estava o futuro do automobilismo: o Cooper-Climax do seu amigo e adversário Stirling Moss, que tinha um motor traseiro. O carro aguentou toda a corrida com um jogo de pneus e conseguiu vencer os Ferrari e Maserati, incluindo o de Fangio, que terminou na quarta posição, ainda que fazendo a volta mais rápida.


     Poucas semanas depois, em 27 de fevereiro, Fangio estava em Cuba para participar no GP local, correndo num Maserati 400S, a convite de Fulgencio Batista, mediante um "cachet" gordo. Contudo, não iria participar da prova: tinha sido raptado na véspera por um comando de rebeldes do Movimento 26 de Julho, com o objetivo de embaraçar o governo de Batista. A politica interferia no automobilismo e Fangio tinha sido um alvo. Contudo, os raptores tratam-no bem, afirmando que o objetivo era apenas impedí-lo de participar na corrida. E isso até o poderá ter salvo, pois a corrida foi interrompida na sétima volta com um acidente, matando sete pessoas.

     Com o objetivo alcançado, os raptores libertaram-no na embaixada argentina, são e salvo, enganando a policia de Batista. "Bem," disse depois a um jornalista mexicano, "esta foi mais uma aventura. Trataram-me de modo excelente, tive as mesmas comodidades que teria se tivesse entre amigos. Se aquilo que os rebeldes afirmam é uma boa causa, eu, como argentino que sou, aceito-a".


     Pouco depois, foi para Miami, na época em que a noticia se espalhou pelo mundo e os americanos não o largaram, chegando até a ser convidado do Ed Sullivan Show, a troco de mil dólares. Algum tempo depois, comentou com ironia: "Ganhei cinco campeonatos do Mundo, as 12 Horas de Sebring, mas tive de ser raptado em Cuba para ser conhecido neste país". Fangio participau das 500 Milhas de Indianápolis ao volante de um Kurtis Kraft 500F, mas este demonstrou ser um carro pouco potente e acabou por desistir da corrida.


     Em julho, vai a Reims para correr pela última vez num Formula 1. Inscreve um Maserati 250F em seu nome, e escolhe aquele lugar em particular sinal de agradecimento, pois tinha sido o lugar onde estreara na Europa, dez anos antes. Fangio era o oitavo no grid e não fez uma grande corrida, marcada pelo acidente mortal de um dos seus antigos companheiros de equipe na Ferrari, o italiano Luigi Musso. No final, iria acabar na quarta posição, mas quando Hawthorn o viu na sua frente, prestes a dar uma volta em Fangio, este ficou respeitosamente atrás dele.

   A sua carreira competitiva na Formula 1: 52 Grandes Prêmios, em sete temporadas (1950-51, 53-58), 24 vitórias, 29 pole positions, 23 voltas mais rápidas, 35 pódios, 245 pontos oficiais em 277,64 pontos alcançados. Campeão do Mundo em 1951, 1954, 55, 56 e 57, por quatro marcas: Alfa Romeo, Mercedes, Ferrari e Maserati.

     A partir deste momento, dedicou-se aos negócios, especialmente aos da Mercedes Argentina, do qual se tornou presidente. Homenageado quer na Argentina, quer no estrangeiro, sendo condecorado na Espanha e Itália, por exemplo. No final dos anos 60 começou a colaborar com a ACA para elaborar a Temporada argentina de Formula 2, e depois, no regresso da Formula 1 ao seu pais natal, em 1972. Em 1969, levou três IKA-Renault para as 84 Horas de Nurburgring, uma façanha, ainda hoje, lembrada na sua Argentina.


     Com o avançar da idade, Fangio começou a fazer demonstrações a serviço da Mercedes nos circuitos, especialmente com os W196. Fê-lo até ao inicio da década de 90, quando já tinha 80 anos, e essas demonstrações eram largamente aguardadas e ovacionadas. Os pilotos dessa geração sempre o admiraram, especialmente Ayrton Senna, que Fangio queria que fosse o seu sucessor no que diz respeito a recordes. Infelizmente, foi algo que não aconteceu.

     A partir dos anos 70, Fangio começou a ficar doente. Dois ataques cardíacos em 1977 e em dezembro de 1981, este último depois de uma demonstração em Dubai, quando o colocaram numa mesa de operações, para fazer um quintuplo "bypass". Mas a partir de 1991, é uma insuficiência renal que o debilita. Nesta época, Fangio está envolvido numa polêmica na Argentina: o estado aprova uma lei que proíbe as pessoas com mais de oitenta anos de conduzir nas estradas nacionais. Fangio faz "vista grossas" e desafia a lei, andando constantemente entre Buenos Aires e Mar del Plata, a mais de 200 km/hora, demonstrando que ainda estava lúcido e capaz de lidar com carros potentes. O governo decidiu então conceder uma licença especial a Fangio.

     Pouco tempo antes, na sua Balcarce natal, tinha sido inaugurado o seu grande projeto pessoal: um museu dedicado a ele. O Museo Juan Manuel Fangio foi inaugurado em 1986 e,  tem não só os seus carros marcantes, como o Maserati 250F com que ganhou o GP da Alemanha de 1957, como os Mercedes W196 com que venceu dois campeonatos do mundo. Para além disso, tem dezenas de carros que fizeram história no automobilismo argentino e mundial, oferecidos pelos pilotos e marcas. E nos arredores da sua cidade natal, na encosta de um monte, havia desde 1969 um circuito com o seu nome, desenhado por ele e considerado como um dos mais desafiadores do seu pais.

     Fangio nunca se casou nem teve filhos. Contudo, o seu sobrinho Juan Manuel se tornou, nos anos 80, um piloto notável, especialmente nos Estados Unidos, onde correru em provas como a IMSA e a CART, onde no final dos anos 90 andou pela All American Racers, de Dan Gurney. Apesar dos bons resultados, Fangio II nunca obteve as glórias do tio, especialmente porque nunca correu na Formula 1.

     Em 1995, quando a Formula 1 estava de volta à Argentina, Fangio estava muito doente para ver os bólidos em Buenos Aires. A insuficiência renal o tinha deixado na cama e levava gradualmente as suas forças. Até que às 4:10 da manhã do dia 17 de julho de 1995, acabou morrendo na clinica onde estava internado, em Buenos Aires, aos 84 anos de idade. A Argentina decretou três dias de luto e o seu corpo foi velado na Casa Rosada, a sede do governo em Buenos Aires, onde ficou por três dias, e depois foi levado para o cemitério de sua familia em Balcarce.

 

     O seu legado é incrivel. Quando ele morreu, ninguém tinha batido o seu recorde de títulos. Isso só aconteceria em 2003, quando Michael Schumacher alcançaria o seu sexto título mundial. Este ainda conseguiria mais um no ano seguinte, estabelecendo o recorde em sete. E mesmo assim, a aura de Fangio não diminuiu.

     Existem atualmente seis estátuas de Fangio em todo o mundo: uma em Buenos Aires, outra em Montemeló, uma terceira no Mônaco, a quarta em Estugarda, na sede da Mercedes, a quinta em Nurburgring e uma sexta em Monza. Todas elas foram feitas pelo artista catalão Juan Rós Sabaté e representam Fangio ao volante do Merecedes W196, o carro com que venceu os títulos de 1954 e 55. E no seu pais, sempre que alguém quer abastecer o seu carro com a gasolina "premium", esta tem o nome de Fangio.

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